sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Cesare Battisti: o eterno fugitivo



Condenado num processo cheio de falhas, e até falsificações, que correu à sua revelia, o escritor italiano se tornou alvo do ódio da direita mundial e passou a vida sendo perseguido pelo Estado italiano e, nos últimos anos, pelo judiciário brasileiro. Conheça os detalhes do caso Battisti.

Por Débora Prado

Amplamente divulgado na grande mídia de diversos países, o debate acerca da extradição de Cesare Battisti se tornou tema de discussão no Brasil e na comunidade internacional. O Estado e a justiça italiana, o judiciáio brasileiro, a extrema direita e os reacionários de plantão se empenham na campanha pela entrega dele ao sistema penitenciário italiano para que permaneça encarcerado até o fim de sua vida. No Brasil, a propaganda contra o escritor e ex-militante de extrema esquerda também é intensa e, apesar do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter decidido negar sua extradição no último dia de mandato, Battisti continua preso, ilegalmente, e vai passar por novo julgamento no Supremo Tribunal Federal.

Condenado durante processo que correu à sua revelia por quatro assassinatos cometidos na década de 1970, o que pouca gente sabe é que Battisti já havia passado por um julgamento na Itália. Neste primeiro julgamento, sentenciado em 1981, foi condenado a 13 anos e alguns meses de prisão por suas atividades militantes, ou ‘crimede subversão’ e por porte de armas. Não houve, no entanto, qualquer condenação ou sequer citação dos quatros assassinatos que lhe são atribuídos hoje em dia. Quase ninguém diz ainda que seu segundo julgamento na Itália está permeado de contradições, assim como o relatório do STF brasileiro, de autoria do Ministro Cezar Peluso.

Na verdade, a condenação a prisão perpétua - reivindicada agora pelo governo italiano para justificar a extradição – só aconteceu no segundo processo, de 1988, baseado numa prática chamada ‘delação premiada’. “Durante o primeiro processo, houve muitas torturas, são 13 casos declarados. Mas, mesmo sob a tortura, ninguém nunca pronunciou o nome de Battisti” explica Fred Vargas, historiadora, arqueóloga e escritora francesa, complementando: “Em troca das acusações no segundo processo, outros presos ganharam consideráveis reduções na pena. Nenhum dos arrependidos e dissociados teve prisão perpétua, o único membro do grupo com essa condenação foi o ausente: Battisti”.

Em suas pesquisas sobre o caso, ela constatou ainda que as procurações supostamente assinadas por Battisti para os advogados que o representaram no segundo processo são falsas. “Ele foi representado falsamente durante os onze anos do processo. Isso já seria suficiente para anular sua condenação” diz. Com tanta sujeira embaixo do tapete, fica evidente que os motivos para a condenação de Battisti são muito mais políticos do que de fato judiciais.

Dalmo de Abreu Dallari, jurista e professor emérito da USP (Universidade de São Paulo), explica que se fossem considerados apenas os aspectos legais, Battisti já deveria estar em liberdade. “A prisão de uma pessoa cuja extradição o foi pedida tem caráter preventivo, visando garantir a execução da decisão do Chefe do Executivo, caso este decida favoravelmente ao pedido. A partir do momento em que o Presidente decidiu não conceder a extradição, já não havia motivos para manter Cesare Battisti preso, não havendo qualquer fundamento legal para essa tremenda restrição de seus direitos fundamentais, avali o jurista, concluindo: “Assim, não há dúvida de que a motivação não foi jurídica, mas influenciada por outras determinantes”.

Para Carlos Alberto Lungarzo, professor titular da Unicamp aposentado e militante da Anistia Internacional (AI), é totalmente impossível que Battisti tenha cometido algum assassinato e, além de injustiçado, sua extradição pode representar uma sentença de morte. “Se ele voltar à Itália e ficar vivo durante um tempo seria um milagre. O sentimento de rancor contra ele já existia antes, mas a agitação do caso na França e no Brasil está deixando em evidência a enorme corrupção da justiça italiana e a falta de seriedade e dos políticos” afirma.

O professor conta que a perseguição tomou tamanha proporção que uma região da Itália está proibindo os livros de centenas de escritores que assinaram um manifesto pela não extradição de Battisti. “É necessário entender um ponto sensível da cultura italiana, pelo menos nos últimos dois séculos: o sentimento de vingança muito generalizado. O Tribunal precisava dar uma satisfação aos parentes e ter um culpado universal. Claro que também há interesses políticos fortes: ameaçar a pouca esquerda que resta na Itália, mas que vai crescendo, fazer o papel de vítima no cenário europeu e por aí vai” diz.

Os estudiosos do caso apontam mais de uma justificativa para a perseguição de Battisti. Para Lungarzo, é simplista dizer que Berlusconi quer ocultar seu fracasso político e seus escândalos sexuais, uma vez que a campanha contra o escritor aumentou a medida que seus livros críticos ficaram mais conhecidos.

“Inicialmente, tudo indica que os magistrados italianos carregaram todos os assassinatos em Battisti, porque ele estava longe e não poderia se defender. Ele foi apenas um bode expiatório. Quando ele voltou à França, em 1990, a Itália tentou extraditá-lo - ‘por que não mais um?’. Mas, a extradição foi recusada e não se fez nenhum alvoroço. Então surgiu a verdadeira razão: Battisti se tornou um escritor de sucesso, com 15 livros publicados antes de vir ao Brasil. Suas histórias sobre perseguição, exílio e fascismo são romances lidos por pessoas que nunca leriam um livro de história. Há uma prova que eu acho muito clara disso: em quase todas as mensagens e comentários de ódio de leitores de jornais que se publicam na Itália sempre se fala que ele é um ‘afrancesado’, um rebelde, um homem que pinta uma imagem horrível da Itália, quenão é católico, e coisas assim. Isso é muito duro para um país onde domina a Máfia, o fascismo e a Igreja” avalia Lungarzo.

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