domingo, 19 de setembro de 2010

A mitologia negra


Ogum, orixá guerreiro e ferreiro. Sincretizado no Catolicismo com São Jorge.

A MITOLOGIA NEGRA

Publicado no Butiá Notícias Edição 619 de 17 e 18 de 2010

Nós, os gaúchos, juntos de nossos vizinhos sulistas - os catarinenses e os paranaenses - somos os brasileiros com menos presença populacional negra no país. Talvez por isso, não temos a noção exata do que a imigração forçada através da escravidão, de milhões de africanos para o Brasil, representa na formação de nossa nação. O Brasil é hoje o maior país negro fora da África. Salvador na Bahia é a maior metrópole, depois de Luanda, capital de Angola. Mas se por nossos pagos a cor negra na pele não seja tão comum como é no Sudeste ou no Nordeste, por exemplo, aqui a herança, a presença e a contribuição africana se faz de maneira mais subjetiva e simbólica. É no imaginário popular, através da religiosidade afro-brasileira principalmente, que os negros com sua mitologia ajudam a compor esta complexa sinfonia social que é o extremo sul brasileiro. O Rio Grande do Sul é o estado com o maior número de casas e centros religiosos de matriz africana do Brasil, à frente inclusive da Bahia. E Alvorada, na região metropolitana de Porto Alegre é a cidade onde proporcionalmente mais se concentra estes centros no país. A presença cultural muitas vezes é mais profunda e impregnada que a presença física e no caso dos negros, isso fica mais que evidente. Afinal, como disse no início, somos os “menos negros” do Brasil, aparentemente isso parece uma contradição.

Aos olhos dos antigos cientistas sociais, sou suspeito para falar deste assunto. Por ser um apaixonado por ele. E na visão antiga, o cientista deve estar distanciado de seu objeto para melhor poder entendê-lo. Mas discordo dos antigos positivistas. A importância do negro na formação econômica, social e cultural brasileira me ficou clara ainda na graduação em História. Estudando os principais autores do assunto percebi que é impossível compreender o Brasil sem levar em consideração a escravidão e o negro. Como minha “pequena ambição pessoal” é compreender este país, a relação com a negritude e tudo que dela deriva passou a ser natural. Por gostar do assunto, mas embora sem professar a fé, a religiosidade ao meu ver, é o melhor ponto de partida para se obter esta compreensão tanto social como estética.

Graças ao domínio também cultural europeu em nosso país, as religiões de origem africana sofreram e ainda sofrem preconceito e perseguição. Poucos sabem de sua rica complexidade e de sua influência direta com aquela que acostumamos erroneamente a chamar de “berço da civilização ocidental” que são as culturas gregas e romanas. Antes dos gregos os orixás já eram cultuados pelas famílias e clãs africanos. A mitologia grega utilizada inclusive como auxiliar da psicanálise como no caso do Complexo de Édipo, têm sua origem remota nos “deuses” africanos. Desta forma, muito mais que simples seres celestiais ou sagrados, os orixás africanos, como os deuses gregos, representam nosso inconsciente, nossa origem e nossas personalidades. Bem como no também grego horóscopo, nossos orixás definem nossos traços individuais e a forma de melhor usá-los em nosso próprio benefício e para o benefício dos outros seres.

A prova da presença física e cultural dos negros em nosso estado pode ser percebida em qualquer cidade e em qualquer região. Em Butiá, por exemplo, estou trabalhando desde o início do ano em uma pesquisa acadêmica que busca demonstrar a relevância do trabalho social realizado pelas religiões afro-brasileiras. Tomei a Associação do Centro Umbandista e Africanista Xangô e Oxum do Pai de Santo (Babalorixá em ioruba) Honório de Xangô como amostra, por ser um dos centros mais freqüentados no município, com mais de 200 filhos espalhados pelo estado e até no exterior. Com a pesquisa, reafirmo na prática, minha convicção levantada teoricamente. O negro e sua cultura (incluindo ai a espiritualidade) definem muito de nossa realidade social. O conhecimento do “outro” e do “diferente” é a melhor arma contra o racismo, contra o preconceito e contra as disputas e guerras travadas entre diferentes religiões no mundo todo, em nome de um Deus que supostamente escolheria a paz e a tolerância.

Nenhum comentário:

Postar um comentário