sábado, 15 de maio de 2010

O 13 de maio e o negro no Brasil

Publicado no Portal de Notícias, Edição 289, de 14 de maio de 2010.

O 13 de maio e o negro no Brasil
Everton Pereira


Se dividirmos toda história do Brasil desde a conquista portuguesa no início do século XVI até os dias atuais em cinco partes iguais, três partes e meia, estariam dentro do período em que vigorou o sistema escravocrata. Somente uma parte e meia, ou seja, 122 anos, nos separam de um Brasil onde um ser humano por ter sua pele negra, não era considerado gente, mas mercadoria. Desde 1871 leis abolicionistas vinham sendo implementadas. Mas somente em 1888 que a escravidão legal deixou de existir no Brasil.
O 13 de maio de 1888 foi o marco simbólico não de uma ação humanista do Império de Dom Pedro II, mas do esgotamento de um sistema que desde a Independência em 1822 sofria pressões externas da Inglaterra para por fim a escravidão. Internamente a resistência ao escravismo também existia e vinha de diferentes direções. As fugas de escravos aumentavam cada vez mais, o movimento abolicionista ganhava força e muitos fazendeiros prejudicados com o fim da “importação” de escravos em 1850, não tinham mão-de-obra suficiente em suas lavouras de café. O 13 de maio menos que uma data “comemorativa” é fruto da capacidade de regeneração do sistema capitalista, que torna-se na época, mais viável com trabalhadores assalariados do que com trabalhadores escravizados. O 13 de maio, da forma com que foi construído - sem planejar o futuro de milhões de ex-escravos - é o culpado pela enorme desigualdade social existente hoje entre negros e brancos no Brasil.
Curar esta cicatriz deixada em mais de três quintos de nossa história é dever de toda sociedade, mas principalmente do Estado brasileiro que durante quase 400 anos deu aval legal a escravidão no país. Mesmo com todas as dificuldades e resistências, os avanços em políticas afirmativas vem sendo uma realidade na última década. O papel do poder público como fomentador da igualdade racial é fundamental. A Lei 10.639 de 2003 que obriga escolas públicas e privadas a incluir em seus conteúdos, temáticas relacionadas com a história e a cultura afro-brasileira, é uma ferramenta importantíssima para acabar com o preconceito já em sua origem que é a infância. A Lei resgata também um dos pilares da formação de nossa nacionalidade que é a relação com o continente africano.
Incluir esta população negra historicamente excluída é um pré-requisito para tornarmo-nos uma democracia de fato. O sistema de cotas, por exemplo, é uma política afirmativa que busca minimizar as diferenças econômicas existentes entre brancos e não-brancos. Não pode ser visto como algo disposto a reservar vagas para os negros por serem eles incapazes de competir intelectual ou biologicamente com os brancos. A reserva de cotas é uma ação específica para um problema específico: a desproporção em espaços de poder entre negros e brancos em relação ao percentual destes grupos no total da população. Reparar este problema cabe ao Estado. Aguardar por “melhorias” e “ampliações de vagas” no sistema educacional é condenar milhões de jovens negros a perpetuação do problema.
É muito importante que este debate não se torne passional e intransigente. Toda ação humana produz conseqüências, quase sempre positivas e negativas. Com as cotas não é diferente, mas creio que os benefícios são superiores aos efeitos colaterais. Por isso, defendo sua implantação em aspecto temporário e aliado a outras demandas sociais como ensino público de qualidade, as questões de gêneros e de acesso a terra e habitação, por exemplo.

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