sábado, 11 de dezembro de 2010

VIOLÊNCIA


ESTADO, DROGAS E REALITY SHOW

Publicado no Butiá Notícias Edição 629 de 10 e 11 de dezembro de 2010.

As favelas no Brasil passaram a existir como tal desde o início do século 20 como início de um processo de urbanização dos centros das principais capitais e também como consequência direta do fim da escravidão, onde populações de ex-escravos, sem ter para onde ir, acabaram por subir os morros para ali estabelecer sua sociabilidade. Nestes locais, esquecidos pelo Estado seja do ponto de vista da segurança pública, da educação, da assistência social ou da saúde, acabou por imperar a lei do mais forte. No vazio estatal, a “proteção” e o “paternalismo” oferecidos pelos traficantes encontraram seu lugar. É por este prisma que se entende a euforia com que a sociedade acompanhou as ações de combate ao tráfico realizadas nas últimas semanas na Vila Cruzeiro e no Complexo do Alemão no Rio de Janeiro. Mais do que combater as drogas e seu comércio, a ação busca recuperar para o Estado, territórios onde a civilização parece não ter chegado. Para o sucesso do projeto além de manter permanentemente forças policiais nestas comunidades, deve-se junto à segurança levar infraestrutura, programas sociais, lazer, emprego e educação.

O que hoje presenciamos no Rio é uma das tantas ações previstas pelo Programa Nacional de Segurança Pública Cidadã (Pronasci), criado pelo então Ministro da Justiça Tarso Genro, hoje governador eleito do RS. O Pronasci propõe um novo paradigma que é o de uma polícia comunitária, que busca ocupar espaços em zonas de conflito e estreitar as relações com a comunidade. Esta integração entre segurança pública e sociedade passou a ser conhecida como UPP’s (Unidades Policiais de Pacificação) que além de ter reduzido a criminalidade em 60% no Recife e em 50% no Guajuviras em Canoas, oferece um aumento salarial de 40% aos policiais que aderem ao programa.

Há tempos a sociedade clamava por ações mais radicais contra a criminalidade e elas vieram. Mas um perigoso tom triunfalista propagado pela grande mídia pode pôr tudo a perder, fazendo crer simples um problema que é muito complexo. Mascarando uma realidade que ainda tem um longo caminho para ser transformada. Várias são as faces da violência e da criminalidade. O interesse por parte da mídia, do governo e de empresários em não desvalorizar a “marca Rio” em véspera da Copa de 2014 e das Olimpíadas de 2016 é um fato. Outra questão ainda pendente são as milícias, formadas por bandidos que trabalham na polícia. Estas organizações mafiosas já controlam áreas maiores que as facções do tráfico. Monopolizam a oferta de serviços ilegais que vão desde a venda de terras públicas, de gás, de segurança privada, de transporte à instalação de TV a cabo. As milícias também vendem segurança aos traficantes e junto a eles fazem parte da lucrativa venda de drogas e armas.

Vemos que apesar dos avanços, o problema não é tão simples como quer fazer crer o reality show criado pela imprensa acostumada em coberturas de guerras e de mineiros presos em minas. A audiência não acabará com o tráfico. Tratar as drogas como um problema de saúde pública e usar políticas públicas para diminuir ao máximo seu comércio é o que fazem as grandes democracias. Para isso o Estado deve levar cidadania aos territórios onde há décadas só entrava (quanto muito) seu braço repressivo e violento.

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