sábado, 19 de novembro de 2011

Andar com Fé



Por: EVERTON PEREIRA
Em: Butiá Notícias (18*19/11/2011)

Há uma canção de Gil chamada “Andar com Fé” que escolhi como título de minha monografia de pós-graduação em História Africana e Afro-brasileira. No trabalho eu trato dos 30 anos da Associação do Centro Umbandista e Africanista Xangô e Oxum presidido pelo querido amigo José Carlos Marcolino e que tem como líder religioso José Honório Dias de Oliveira, o popular Pai Honório. Neste trabalho, que em breve transformarei em um livro, busquei através de uma associação religiosa de nossa cidade, falar e elucidar um pouco sobre a história do negro em Butiá e no Rio Grande do Sul. Falar também sobre a beleza e a magia das religiões afro-brasileiras, buscando através do conhecimento acabar com a ignorância que cria o preconceito. Realço também a figura de Honório, que através de suas crenças religiosas, mobiliza centenas de seguidores que com ele realiza um belo e importante trabalho social em nossa comunidade. Da mesma forma que os kardecistas, católicos, evangélicos e outros centros afro-brasileiros também o fazem. A ACUAXO foi uma espécie de amostra, usando a linguagem acadêmica, de que orixás, caboclos, pretos velhos, exus e pombagiras também, através de seus devotos, ajudam o próximo.

Voltando ao título. Em “Andar com Fé” Gilberto Gil diz que a “a fé não costuma faiá (falhar)”. Diz inclusive que “mesmo a quem não tem fé a fé costuma acompanhar (...) pelo sim, pelo não”. A música quer passar a importância da crença. Do acreditar em algo. Principalmente se este acreditar seja baseado na experiência direta e não somente por meio de livros, palestras e sermões. Desta forma, pela experiência, a fé tornar-se mais forte, menos demagógica e hipócrita. Em uma parte do trabalho usei um pedaço da letra da música que, ao meu ver, tem uma relação com a religião praticada na ACUAXO: “A fé ta na maré, na lâmina de um punhal. Na luz, na escuridão”. A maré de Iemanjá, o orixá dos mares. No punhal que sacrifica (a origem deste termo vem do grego e significa “tornar sagrado”) o animal que em seu sangue (imagem forte na cultura judaico-cristã) carrega o Axé, a energia divina vital que é oferecida ao praticante e seu orixá. A fé que está na luz e na escuridão. Pois a escuridão não existe de fato, é ela a falta de luz. E não há lugar que a luz, a força divina, não possa entrar.

Falo aqui em fé, em religião afro-brasileira e em um centro religiosos que para muitos é refúgio espiritual e para outros, fundamentalistas e fanáticos religiosos, o lar do mal. Doentes do mesmo fanatismo e fundamentalismo que cria guerras, ódio e derruba aviões sobre prédios. Fundamentalistas que fazem mal a democracia que existe justamente para garantir o direito a crença e a diversidade de todo tipo. Nesta Semana da Consciência Negra, como estudioso da história do negro (porque ela nos releva a história do Brasil) e admirador de sua cultura que inclui sua religiosidade – que apesar de não professá-la respeito e tenho uma atração estética muito grande – gostaria de frisar a importância da tolerância. Não precisamos gostar de algo. Seja ele um partido político, um time de futebol, uma religião ou mesmo uma pessoa. Mas devemos tolerar sua existência. O direito do outro existir garante o nosso direito a existência. É este o princípio básico do Estado Laico. Não se trata de ateísmo, mas de que os governos e a política não interfira no campo do sagrado, que ele seja um espaço de escolhas individuais e que cada um acredite - ou não acredite – no que lhe faz bem. No que dá sentido a sua vida. Parabenizo o Pai Honório pela honraria recebida nesta Semana da Consciência Negra e àqueles que reconheceram, finalmente, seu trabalho e representação desta etnia que ainda necessita avançar muito em seus direitos até tornarmo-nos de fato uma democracia.

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