terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

A forma do barro



Por EVERTON PEREIRA

Nos tempos da faculdade tinha na capa de meu caderno um poema do Paulo Leminski - um dos grandes da poesia brasileira. “O que o barro quer” era o nome do poema que dizia: “O barro toma a forma que você quiser / você nem sabe estar fazendo apenas o que o barro quer”. Era uma espécie de lembrete cotidiano sobre a força que o mundo tem sobre nossas vidas, mas também sobre o poder de transformação que cada um de nós tem neste mesmo mundo e principalmente em nossas próprias vidas. Mais que uma afirmação política ou filosófica, era uma visão estética, artística, criativa do poeta a respeito vida. Nós como artistas e a vida como obra de arte, tal como o oleiro trabalhando o barro. Dando-lhe forma, significado, conteúdo. Moldando-a.

Com a cultura da pressa na qual vivemos, esquecemos que somos sujeitos de nossa história. Histórias pessoais de amores fracassados ou bem amados. De amizades. De Famílias de sangue e de escolha. Histórias de conquistas profissionais e superações pessoais. Mas histórias também coletivas, dessas que mudam um pouco - nem que seja - o curso desta mesma história. Esquecemos, portanto que somos sujeitos. Aquele que dá a forma ao barro. Contentamo-nos com a condição de objetos, os que fazem o que o barro quer.

No budismo diz-se que o homem é senhor de sua própria vida, que não há força ou ser superior capaz de intervir como senhor de seu destino. Forte, não? Faz recair sobre nossos ombros uma responsabilidade com a qual não estamos preparados. A palavra karma, por exemplo, utilizada por hindus, budistas e espíritas, que vem do antigo idioma sânscrito significa ação. Ação que gera causa e efeito. Nada a ver com a conotação de fardo, destino ou mesmo maldição que muitos erroneamente a dão. Agir, forjar o barro, a vida. Dar a eles a forma que queremos. Do mesmo modo que na cultura africana Ogum é o ferreiro, aquele que forja não o barro, mas o metal. Dando-lhe a forma que deseja. Um orixá guerreiro, que faz seu próprio destino. Forja sua própria vida como o metal com o qual trabalha.

No cristianismo também se fala do livre arbítrio, a liberdade de moldar o barro a nossa vontade, assumindo suas conseqüências. Até os céticos, os ateus, têm um pouco do oleiro também. Talvez até mais: ao pegar para si toda a responsabilidade da vida, dispensando a fé e o refúgio em um ser superior, acabam crendo na ação, somente nela. Ação, karma, responsabilidade. Tudo isso depende de nós. Como um pintor pintando um auto-retrato. Somos artistas, oleiros de nós mesmos. Basta analisar nossas trajetórias individuais. Desde criança, mesmo que inconscientemente fomos criando “alguém” que chamamos de “eu”. Com desejos, preferências, personalidade e angústias. Se no passado nos criamos sem pensar, podemos agora planejar cada passo desta dança chamada vida.

Construímos o futuro no presente, por isso ele tem este nome. É um presente! Dado a cada dia com uma nova chance. Na série sobre a vida do médium espírita Chico Xavier, transmitida semana passada na TV, uma das frases ditas por ele que mais me marcou foi esta: “O passado, não podemos mudá-lo, mas cada um pode recomeçar e escrever um novo futuro”. Tomemos as rédeas de nossa existência. Sejamos o que dá a forma ao barro e não o que é moldado por ele.

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